27 de janeiro de 2010

O resto





















da infância
só quero
as alegrias.

do figo maduro
só quero
a polpa.

da vida
só quero
a saúde.

o resto,
deixo pra trás.

26 de janeiro de 2010

Não preciso ter pressa










 


Já me curvei o bastante
Para entender a vida.

Já tive o ofício do meu pai
E não o deixei para os meus filhos.

Chupei frutas que amadurecem no pé.
Sei que fui esculpido de dentro pra fora.

Nunca dei o passo maior que a perna
Nem fui buscar a morte pra não quer morrer.

Assim como rio acostuma com as curvas
Eu sei que não preciso ter pressa pra viver.

21 de janeiro de 2010

Sublime

Para a Adriana













Não há mais sublime sedução
do que saber esperar por alguém.
Compor o corpo,
abrir os olhos,
colorir a boca
e trocar as cortinas da janela
para entrar a claridade
no quarto e na sala.

E saber tirar a sombra de dentro
do coração livre e guardado.

Não há mais sublime sedução
do que deixar o livro aberto
e rasgar docilmente as páginas
até que a alegria recomece.

20 de janeiro de 2010

haicai
















solene e distraida
a estrela derrama
um horizonte de lembranças

19 de janeiro de 2010

Palavras não dizem nada

O coração sempre diz
que as palavras
ficam pequenas e vagas
não sabem expressar
um sentimento qualquer.

As palavras só sabem
dizer que o mar é salgado,
a mágoa é dolorida,
o céu é azul
e a vida é breve.

Se eu digo que te amo
todo mundo diz
mas o que meu coração
sente de verdade
isso as palavras não dizem, não!

15 de janeiro de 2010

Navegar é preciso, voltar não!















Quis, um dia, navegar em águas profundas
Não busquei glórias, nem louros, nem outros tesouros
Só quis vencer ondas, brumas e ditaduras
E navegar em mares calmos.

Procurei portos seguros
Águas claras e praias desertas
E nunca senti medo, dor, ódio e frio.

Sempre procurei nessas águas
Ser abrigo próximo e cais seguro.

Aprendi com as ondas
Que nesta vida, um dia, se ganha;
No outro, se perde e perdoa.

Só esqueci que quem navega
por águas profundas
Não sabe mais como voltar.

14 de janeiro de 2010

Tempos de alegria

















Não sei se posso dizer
Que o tempo era outro.
Era um tempo de ventos brandos
E muitas brincadeiras.
Quitandas quentes
Saídas do forno de barro.
Pouca espera e muitas certezas.
O amor era tão certo
Quanto dois mais dois são quatro
O gosto doce da cana
E o cheiro de figos maduros.

Com os pés descalços
Jogava amarelinha
Com pedras do rio
Até chegar no quadrado do céu.
Com tão pouco chegava ao céu.
Muito pouco.

13 de janeiro de 2010

Heresia

a José Saramago

o livro dele
só tem heresias
mas, a ele é permitido.

assim como o sol,
astro maior e absoluto,
deixa no fim da tarde
uma sombra tomar conta
de um canto da sala.

ele é um catador de brumas
onde obscurece a luz e o tempo
as suas palavras suavizam
a tênue linha que separa
o céu cinzento e o mar Báltico.

só ele tira coisas belas
do silêncio absurdo
e do grito louco da sinfonia.

a ele é permitido todas heresias
porque ele sente as mazelas humanas
só ele sabe onde falta pão, justiça e divisão
só ele mostra a miséria que ninguém vê.