31 de janeiro de 2011

O barulho


Gosto do mar
não é porque sou mineiro.
No mar posso
Escrever palavras
E mais palavras
Na areia
E ninguém lê.
As ondas apagam.

As águas salgadas
Saram todas as feridas
Que a vida cotidiana
Insiste em manter
Sempre abertas.

E aquele barulho
Que só o mar sabe fazer
Acalma e acalenta
O meu coração.

30 de janeiro de 2011

haicais

será este beija-flor
o mesmo de ontem?
– não dá pra adivinhar.

no Japão, as cerejeiras;
aqui, no Brasil varonil,
as cores dos ipês.

na estrada de terra
a porteira quebrada
esconde segredos.

à tarde, o pássaro faminto
vem comer o resto
do milho das galinhas.

27 de janeiro de 2011

Soneto II


A obra desse viajor argonauta
Transcende a história provinciana
Desvenda com clareza augusta
Os desvios de uma corte leviana.

Uma figura dócil e apocalíptica
Que sem qualquer traço divino
Levava em seu dorso mulato
As revelações frívolas e dogmáticas.

Sol erguido sobre uma constelação
De personagens cheios de ignomínias,
Sonhos torpes, luxúrias e traição.

Descreveu com toda maestria e vigor
A cidade que era o símbolo da derrocada
De uma sociedade em plena transformação.

26 de janeiro de 2011

Soneto


padre Antônio Vieira


Conhecedor dos hábitos palacianos

Fervoroso defensor da figura do rei

Comparava o quinto império de Portugal

Com as riquezas do Salomão soberano.

Deus criou todos os bichos e feras

Para rastejar, voar e andar livremente

Mas só o homem poderia dominar a terra

Incluindo as águas doces e salgadas.

No entanto, astúcia, argumentos e idéias

Deixou por herança e por direito verdadeiro

A um padre missionário e aventureiro.

Sempre intolerante com os pecados humanos

Defendia os indigenas na colônia portuguesa

E sabia pregar com sabedoria e clareza.

os livros


tenho passado
quase todo tempo
arrumando livros
tirando de uma prateleira
e colocando em outra.

e assim vão ficando espaços
vazios na sala
e na minha rotina diária.

os livros que eu guardo
em casa são os do curso
de vestibular e os didáticos
que impedem a claridade
entrar pela janela.

os livros que leio todos os dias
são palavras não ditas
e diálogos imaginários
escritos em forma de cartas
nunca enviadas pelo correio
porque não tem remetente
nem destinário.

16 de janeiro de 2011

Reencontro

Marjorie e Bebel


















Não precisa me dizer
Eu sei que a vida
É cheia de enigmas,
De mistérios e de estrelas.

Mas não deixa ninguém ler
Esse seu breviário
Das coisas que ainda
Vão acontecer entre o sutil
E o abissal.

Não precisa me dizer
O que é possível fazer
No silêncio dos meses
No vazio do ano
E no vento dos dias.
Mas precisava esperar
Tanto tempo para acontecer?

Não precisa me dizer
Eu sei que o eclipse
É o encontro de dois corpos
No infinito espaço do céu.

Mas o que precisa acontecer
Para dois seres quase celestiais
Reencontrar no planalto
Entre formas, luzes e concreto?

Não, não precisa me dizer
Porque isso já aconteceu.

15 de janeiro de 2011

Regente

à regente Adilude Valadão

















Nem poesia nem canto
No meio de tudo um espanto
Só o silêncio faz o amor ficar sozinho.

Nem voz nem grito
Entre a península e o continente
Só a amizade faz a ponte.

Nem Ludwig nem Bach
Faz a distância bastante
Entre a música e a ausência.

Nem Camões nem Dante
Separa a palavra saudade
Das águas salgadas do mar.

Nem coro nem batuta
No palco de cortinas fechadas
Passa um rio imaginário.

Quem rege um coral
Parece uma ilha parasidíaca
No Estreito de Gilbraltar.

12 de janeiro de 2011

Basta-me


Basta-me um beija-flor
e uma árvore
para me transportarem ao jardim
da casa.

Basta-me uma biblioteca
e um livro
para me levarem à sala
de estar.

Basta-me uma esquina
e uma dama da noite
para me recordarem da amiga
para a vida toda.

Basta-me um rio
e uma ponte
para me lembrarem da cidade
onde nunca deveria ter saído.

11 de janeiro de 2011

haicai













o mundo parece que finda;
logo ali, depois da curva.
O resto é apenas neblina

Ainda há muitos sonhos


Hoje só quero o oceano
nas minhas mãos
e a lua nos meus pés.

Quero viver sem terra, sem pressa
e sem adornos.

E no cavalo alado
buscar o brilho das estrelas
e os raios do sol.

Quero apenas voar
em direção aos pássaros,
acordar bem cedo
para ver o dia nascer
e não ter nada o que fazer
nas tardes quentes
e longas de verão.

Ainda há muitos sonhos
que as noites curtas
e chuvosas não conseguiram
dissipar ou apagar.

E ainda há na minha vida
uma linha paralela e quase infinita.

10 de janeiro de 2011

Silicone

(Mulher deitada e cachorro, 1954 - Di Cavalcanti)


seios desnudos em excesso
são tão falsos
quanto cabeça de bacalhau
no mercado central.

as marcas do tempo
não apagam as dores,
as memórias e as mágoas.

a alma não envelhece,
mas os dorsos das mãos, sim!

haicais















enquanto os novos
vizinhos não chegam
ainda ouço os gritos

outros amores prometem
se entrelaçarem do lado
de lá da meia-parede

que os vizinhos não troquem
só as cores da parede,
as portas e as janelas!

8 de janeiro de 2011

Silenciosamente

Quando o sol desponta
Mais um dia de saudade
Amanhece em mim.

Tudo me dá saudade
Até das coisas que não vivi.

A cidade, a rua,
O rio Doce, a casa amarela,
O apito do trem e a ponte de ferro.

Silenciosamente a saudade
Adormece a minha noite.

3 de janeiro de 2011

haicais


no primeiro dia do ano
houve grande alegria
no coração do Brasil


















a chuva que caia
não atrapalhou
a festa da democracia


















a posse da Dilma
teve a bênção
das águas e do povo.

2 de janeiro de 2011

Minha avó


Meus avôs, não conheci;
Minha avó, essa sim!
Ela, à tarde, sentava no banco de madeira
No fundo do quintal da minha casa
E com pente de madeira
Desembaraçava seus longos cabelos.

E eu, de longe,
Assistia a tudo calado.

Até hoje guardo na memória
Essa linda imagem
Da minha avó materna.