31 de agosto de 2011

haicais

seis da manhã –
o sanhaço cinzento procura
migalhas no beiral

o sino da igreja
desperta a pequena cidade
do silêncio noturno

30 de agosto de 2011

Borboletar

A poesia, encasulada, vivia,
E eu não sabia
Que, um dia,
ela voaria...

Luiz Dias

27 de agosto de 2011

As lembranças


Não há nada seguro
No presente
E muito menos
No futuro.
Lidar com as lembranças
É como caminhar
No escuro.
Tudo é permitido
A um coração saudoso
Que mora
Na casa do silêncio.

26 de agosto de 2011

Utopia

escrevo poemas
nas tardes vazias
de domingo
quando não estou
vendo filmes antigos
ou espreitando os pássaros
que insistem em comer
o milho na janela
do apartamento de cima.

não invento personagens
nos meus poemas
só descrevo
os fragmentos felizes
de dias comuns,
os desencontros dos vizinhos
e as crianças jogando
bola no gramado
defronte do prédio.

e assim passa
mais uma semana
na minha vida
enquanto espero
o lugar que não existe.

24 de agosto de 2011

A tarde


Caiu a tarde
o sussuro dos ventos
a brandura do sol
e a vida entardeceu.

Mansamente vem a noite
a canção dos sinos
o negrume do céu
e o dia anoiteceu.

Agora tudo é saudade.
O homem dorme
e a estrela brilha.

A travessia

Lembranças são pétalas
Apanhadas na primavera.

Se guardadas, passam verão,
Atravessam o ano
E ficam para sempre.


O rio
Da minha cidade
Era como
A extensão
Dos meus braços.
Perto da estação velha
Descia pelo beco
Dos armazéns do Carlomanho
Que ia dar
Nas pedras
Do canalão
Debaixo da ponte
Até alcançar
A prainha dos Abelhas.

haicais


a galinha de angola
faz muito barulho
e só sobrevive em bando

lá, na África Ocidental,
viviam nas matas de acácias;
aqui, no gramado da quadra

22 de agosto de 2011

de verdade

amor de verdade
perdoa e doa
ao mesmo tempo.

amor de verdade
tem mãos livres
para enxugar
as lágrimas do outro.

amor de verdade
sabe a hora certa
de falar e de calar.
a palavra é doce
e o silêncio é néctar.

amor de verdade
pisa leve no quarto escuro
e caminha a passos largos
nos dias claros.

amor de verdade
sobrevive à distância,
atravessa o tempo
não guarda rancor
e ainda amanhece
de bom humor.

amor de verdade
não precisa de milagres
nem de esperança.
o ontem já passou,
o amanhã não importa
e só o hoje já compensa viver.

19 de agosto de 2011

haicais

o amor tem asas
para sonhar com o céu
e pétalas para aguçar desejos

nunca ficarei sozinho
da janela do quarto
ouço o barulho dos longes

nas manhãs mais sombrias
as carícias do vento
desenham luas e distâncias

18 de agosto de 2011

Nas areias

Minha mulher todas as tardes
diz-me: deixa as palavras antigas
com as suas próprias lembranças!

Mas ela, coitada, não sabe!
escrevo sempre no presente
todo o meu passado numa praia.

Vem o mar com suas águas salgadas
e leva as palavras desenhadas nas areias.

Definições

Haiga e haiku são palavras de origem japonesa que andam sempre juntas e pertencem ao vocabulário dos escritores de haiku, ou haicai em português.

Em sua definição mais simples e tradicional, haiga é uma pintura genuinamente japonesa, complementada por um haicai e uma caligrafia (caracteres em japonês, geralmente omitidos em haigas ocidentais). Hai significa poema e ga, pintura. Segundo os estudiosos, a haiga tem uma origem obscura, mas há registros de que, no século XVII, já era usada para decorar painéis, álbuns, telas e leques.

O haicai é um poema de apenas três versos, com um curto número de sílabas e que remete geralmente a cenas da natureza. Acompanhado de uma pintura ou desenho gráfico, no entanto, o haicai pode mostrar mais claramente a instantaneidade do momento, suas sensações e suas essências.
(Rosa Clement)

Haiga é um haicai acompanhado de uma imagem onde o poema escrito interage com simplicidade e sutileza, criando uma sugestão na mente de quem lê.

O haicai é uma poesia sentida, vivida e transpirada na labuta da existência.

{texto extraído do blogue: www.nossohaikai.blogspot.com)

17 de agosto de 2011

Já nasce sabendo

O rio não é um caminho sem fim

Segue sempre para o mar

Escuta o barulho das ondas

E vai silenciosamente.

Ele sabe que não nasceu – veio do mar.

A dois

Ninguém precisa
Aprender a ser só.

Isso é coisa de quem
Não tem nada pra dizer.

Olha o céu!
Não tem só uma estrela
São muitas
Uma na companhia
Da outra.

Olha a lua!
São várias
Lua cheia, lua nova
Lua crescente e lua minguante
E todas brilham
Umas brilham mais que as outras
É verdade!
Mas brilham.

Ninguém precisa
Aprender a ser só.

Nem o primeiro homem
Quis ficar só.

A vida só vale a pena
Ser vivida de verdade
Só for, no mínimo, a dois.

Ninguém nasceu pra ser só.

16 de agosto de 2011

haicais

o pirilampo pousa
na flor com delicadeza
que parece uma jóia rara

ao cair da tarde
a breve dança das sombras
anuncia o fim do dia

o tempo II


ao som do violino de Jessica Yeh
vou caminhando entre galáxias
como estivesse numa praia deserta
caminhando em direção ao mar
e o tempo fosse meu aliado,
não carrasco;
quem sabe um amigo
ou um parceiro.

15 de agosto de 2011

haicai

no inverno intenso
as folhas mortas
ficam livres para voar

Navegante


Há tanta distância
entre o meu presente
e o meu passado,
e mais um tanto de mar
que me separa do cais.

Só agora eu sei
que a vida tem um fim
olhando para o meu jardim
vendo as flores nascendo,
murchando e morrendo
todos os dias.

Hoje sou navegante
à procura de ventos
que possam me levar
cada vez mais perto
do paraíso que nasci.

Agora só me resta uma coisa
andar sempre pra frente
sem olhar pra trás.

Voa passarinha, para os braços da vida

A beleza carece de estar acordada nos olhos da gente, porque quando ela está adormecida, a alma fica entristecida. Ela fica indesejada e, sem desejos, se guarda, e guardada, espera o voo final.

Luiz Dias

12 de agosto de 2011

Ainda há tempo

ao "seu" Pedro, meu vizinho.

Da janela do seu apartamento
"seu" Pedro trata dos pássaros,
enquanto as suas netas
brincam na porta do prédio.

E eu, no andar de baixo,
tento alçar voos sem asas
só com a minha imaginação
e a minha poesia.

Acredito que ainda há tempo
porque nesta vida
tudo começa e termina
no momento certo
nada é muito longo
e nem curto demais.

9 de agosto de 2011

haicais

















os pássaros ficam
no galho esperando
as migalhas de pão




















as luminárias redondas
na entrada do prédio
são belos enfeites


















o abacateiro da quadra
dá muitos frutos
e atrai vários pássaros

2 de agosto de 2011

Estrada abandonada

nos trilhos das estradas de ferro
esse país despertava o mundo
como a estrela da manhã
rompendo distâncias
atravessando montanhas
para chegar ao mar.

hoje ninguém sonha mais
não há memória nem história.

só uma estrada abandonada.

Hoje é assim

minha vida
já foi muito mais fácil;
regava a terra
e dava muitas flores
no jardim.

hoje não, o campo é seco e duro,
preciso cava fundo
como quem garimpa
para achar ouro e prata.

As estrelas e eu

a casa onde nasci
era de esquina e amarela,
o reboco a cal
e a rua de terra.

eu sei que a poesia
só recupera os restos,
as cores e os gritos;
a intensidade da paixão, não!

a poesia não é como os elefantes,
não tem memória;
sabe dos passos,
das pernas e dos pés;
mas não sabe o caminho.

as estrelas nascem
todos os dias
por isso não precisam
de memória
já sabem o caminho a percorrer –
o infinito.

eu olho para o céu
e só enxergo a claridade
e a lonjura das estrelas.