31 de agosto de 2012

haicais

A manhã fria
nas serras catarinenses
cristaliza a água do lago

O mês de setembro
não traz apenas flores
aquece também os campos

O ipê amarelo plantado
no canteiro da rua
floresce sempre no outono

28 de agosto de 2012

Amanhecer


A terra molhada
a rua calçada com paralepípedo
os pés descalços na água de chuva
a mina jorrando água limpa pelo caminho
onde as rãs desafiavam a água
e o capim gordura crescia
exalando o odor das manhãs frias.

Avisto o zé boiadeiro tocando
a junta de bois, um, o boi carreiro
o outro, indo para o matadouro
à frente deles, o silêncio
e atrás, pegadas e estrumes.

Aprendi a datilografar
muito cedo para trabalhar no cartório
e com os meus dedos ligeiros
escrevesse todos os nomes do coração
incluindo as histórias da minha cidade
impregnadas de sonhos, de desejos
e de afagos guardados por várias gerações.

Hoje tento conciliar o presente e o passado
como seiva de madeira de lei
e fogo que aparece todas amanhãs
quando escrevo um poema transitório.

24 de agosto de 2012

Os meus segredos




Rua Guaicurus, 1231, esquina c/ a rua Catão (hoje Shopping Center Lapa)


Quando olho para atrás
há um sol que se levanta
e se põe todos os dias
nas utopias que vivi
e persegui longo tempo
na minha vida.

Hoje é apenas um sabor
longíguo de fel e mel
de palavras e livros
de sílabas e calabouços
de afeto e ditadura militar
estampados na foto esmaecida
pelo tempo e pela distância
que cala todos os gritos
mas não esconde a verdade
de um país sujo e em preto e branco.

Ainda assim atravessei ileso
o mar de lama como espuma ao vento
com o corpo intato e franzino,
a alma lavada e silenciosa
e a cabeça erguida e limpa
como uma flecha de fogo
iluminando o céu e o deserto.

Ainda assim é na palavra
que encontro uma maneira
de guardar os meus segredos
e os meus silêncios interditados.

20 de agosto de 2012

Saudade

(in memorium ao meu vizinho, Seu Pedro)

Não veio a chuva fina
na tarde morosa
que encobre o céu no fim do dia
apareceu a sombra da noite.
Seu Pedro com os seus passos
leves e cuidadosos
subiu escada acima
até acabar os degraus
e o último suspiro de vida.

Hoje desceu a mesma escada
a saudade e um longo silêncio.

19 de agosto de 2012

Rios e montanhas

(margens do Rio Doce – Conselheiro Pena/Aimorés

Quando temos em nossa frente
paisagem como esta
não é preciso palavras.

O silêncio diz tudo
e um pouco mais.


O barulho das águas
do Rio Doce é tão suave
quanto o voo de um pássaro.


As montanhas de Minas
calam todas as vozes do mundo
porque guardam o eco do horizonte.

17 de agosto de 2012

Linha tênue

este poema é do meu amigo e poeta Luiz Dias

Navego no meu verso, é preciso.
Se as velas são leves, facilmente me levam,
mas, se a tempestade é forte, luto, e escrevo.
Na medida certa, na minha vida, a palavra chega,
me atravessa, brinca comigo, e entra feito amigo.
Quando acontece, plenamente me tece.
Aranha livre, nunca desiste,
E, de um jeito perigoso, se equilibra,
Nessa linha tênue
Que é viver.

Luiz Dias

Ainda me lembro...


Minha mãe guardava
a sua bondade
nos vidros de compota
dos doces de figo e de laranja
que ficavam na cristaleira.

Minha avó deixava
os cabelos e a paciência crescerem
enquanto assava as brevidades
e os biscoitos de polvilho
no forno de barro
que ficava no fundo do quintal.

Hoje a minha saudade
transborda igual leite fervido
em caldeirão de alumínio.

E ainda me lembro
do cardápio do almoço
de um domingo qualquer:
macarronada, frango frito
e tutu de feijão preto
com rodelas de cebola...
...por cima.

Ainda me lembro
que o doce mais doce
é o doce de batata doce.

15 de agosto de 2012

A tribo


Que tribo é essa
Da era digital.
Faz tudo virtual.

Não conhece
Nem sabe
O que é tête-à-tête
Olhos nos olhos
Boca na boca
Isso no meu tempo
Tinha até nome
Amor platônico.

Hoje se não for Hitech
Não serve nem Wi-Fi
E muito menos Bluetooth
Live Now
mesmo só na televisão.

12 de agosto de 2012

haicai

o inverno não impediu
que perto da cerca
brotasse uma florzinha

Pai

Pai não é só quem provém
Espera também
Na porta da escola
No meio da rua
Debaixo da lua

Pai não é só quem sustenta
Mas, também inventa
As estórias de ninar
E acorda mais cedo

Pai que é pai
Não só participa
Como também assiste
Teatrinho chato
Reunião sem começo
Nem fim

Pai não aposenta
Nem tira férias
Pelo contrário,
depois, muito depois,
vira avô

haicais

inverno tão intenso
espantou os pássaros
das árvores da quadra

as pipas coloridas
enfeitam o céu azul
no mês de agosto

o jardineiro solitário
cuida do jardim
sem folhas e sem flores

8 de agosto de 2012

Ainda assim


Quando você pensar
Que tudo está acabado
Eu estarei lá!

Quando você achar
Que chegou ao fim
Eu estarei lá!

Quando chegar
A noite escura e longa
Eu estarei lá!

Quando tudo não tiver
Mais jeito pra consertar
Eu estarei lá!

Quando o mundo inteiro
Virar as costas pra você
Eu estarei lá!

Quando tudo não estiver
Mais dando certo
Ainda assim, estarei lá!

3 de agosto de 2012

a justiça é cega sim

enquanto não me vem a poesia
assisto o julgamento do mensalão:
homens de capa preta
desfilam suas vaidades
e semeam enigmas e palavras

parece sinopse de receituário
sutil tudo solfeja sem partitura
num linguajar rebuscado e distante

para o país de nada adianta
que permaneça sólida e acesa
a chama da justiça cega e ... louca
enquanto o barco do povo esquecido
continua em alto-mar sem rumo,
sem vela e sem norte

De nada adianta o direito
se tudo está por fazer é torto

por acaso


tudo tem que ser leve
como um dia claro

tudo tem que ser doce
como a brisa fresca do mar

tudo tem que ser alegre
como os lábios cheios de ternura

tudo tem que ser silencioso
como as asas soltas de colibri

tudo pode ser por acaso
no entanto nada pode ser imaginário

escuridão

sem esperança
não há como viver
não se faz nada
porque já se morreu.

se está vivo
e não tem esperança
pode-se abrir portas
ganhar medalhas e prêmios.

mas dentro encontra-se só,
repleto de dor, silêncio,
escuridão e nada mais.

2 de agosto de 2012

A direção

Nem sempre
A vida é feita
Só de ternura.

Sou do tempo
Em que a palmatória
Ardia e dóia.
Mas direcionava
A vida no deserto
Da rebeldia
E plantava a semente
Em terra fértil.

haicais

no tempo da minha vó
o jardim floria sempre.
Ela sabia cuidar.

no inverno as estradas
ficam mais perigosas
por causa da cerração.

o trem de ferro
chegou atrasado na estação.
Não tinha nem vendedor.


a borboleta pousou
no para-brisa do carro
em movimento e... morreu.

1 de agosto de 2012

Remédio

A alma não se cura
com música nem com mentiras.

É preciso silenciar a dor
nas profundezas do ser.

As riquezas que se acumulam
não preenchem o vazio do coração.

Não se pode estancar
uma tristeza com falsas terapias.

O remédio que sara a ferida
não está prateleira, está sim, no céu.