A manhã fria
nas serras catarinenses
cristaliza a água do lago
O mês de setembro
não traz apenas flores
aquece também os campos
O ipê amarelo plantado
no canteiro da rua
floresce sempre no outono
Viver é fácil. Conviver que é difícil.
A terra molhada
a rua calçada com paralepípedo
os pés descalços na água de chuva
a mina jorrando água limpa pelo caminho
onde as rãs desafiavam a água
e o capim gordura crescia
exalando o odor das manhãs frias.
Avisto o zé boiadeiro tocando
a junta de bois, um, o boi carreiro
o outro, indo para o matadouro
à frente deles, o silêncio
e atrás, pegadas e estrumes.
Aprendi a datilografar
muito cedo para trabalhar no cartório
e com os meus dedos ligeiros
escrevesse todos os nomes do coração
incluindo as histórias da minha cidade
impregnadas de sonhos, de desejos
e de afagos guardados por várias gerações.
Hoje tento conciliar o presente e o passado
como seiva de madeira de lei
e fogo que aparece todas amanhãs
quando escrevo um poema transitório.
este poema é do meu amigo e poeta Luiz Dias
Navego no meu verso, é preciso.
Se as velas são leves, facilmente me levam,
mas, se a tempestade é forte, luto, e escrevo.
Na medida certa, na minha vida, a palavra chega,
me atravessa, brinca comigo, e entra feito amigo.
Quando acontece, plenamente me tece.
Aranha livre, nunca desiste,
E, de um jeito perigoso, se equilibra,
Nessa linha tênue
Que é viver.
Luiz Dias
Minha mãe guardava
a sua bondade
nos vidros de compota
dos doces de figo e de laranja
que ficavam na cristaleira.
Minha avó deixava
os cabelos e a paciência crescerem
enquanto assava as brevidades
e os biscoitos de polvilho
no forno de barro
que ficava no fundo do quintal.
Hoje a minha saudade
transborda igual leite fervido
em caldeirão de alumínio.
E ainda me lembro
do cardápio do almoço
de um domingo qualquer:
macarronada, frango frito
e tutu de feijão preto
com rodelas de cebola...
...por cima.
Ainda me lembro
que o doce mais doce
é o doce de batata doce.
Pai não é só quem provém
Espera também
Na porta da escola
No meio da rua
Debaixo da lua
Pai não é só quem sustenta
Mas, também inventa
As estórias de ninar
E acorda mais cedo
Pai que é pai
Não só participa
Como também assiste
Teatrinho chato
Reunião sem começo
Nem fim
Pai não aposenta
Nem tira férias
Pelo contrário,
depois, muito depois,
vira avô
Quando você pensar
Que tudo está acabado
Eu estarei lá!
Quando você achar
Que chegou ao fim
Eu estarei lá!
Quando chegar
A noite escura e longa
Eu estarei lá!
Quando tudo não tiver
Mais jeito pra consertar
Eu estarei lá!
Quando o mundo inteiro
Virar as costas pra você
Eu estarei lá!
Quando tudo não estiver
Mais dando certo
Ainda assim, estarei lá!
enquanto não me vem a poesia
assisto o julgamento do mensalão:
homens de capa preta
desfilam suas vaidades
e semeam enigmas e palavras
parece sinopse de receituário
sutil tudo solfeja sem partitura
num linguajar rebuscado e distante
para o país de nada adianta
que permaneça sólida e acesa
a chama da justiça cega e ... louca
enquanto o barco do povo esquecido
continua em alto-mar sem rumo,
sem vela e sem norte
De nada adianta o direito
se tudo está por fazer é torto
no tempo da minha vó
o jardim floria sempre.
Ela sabia cuidar.