só canta na primavera
estação do acasalamento
Viver é fácil. Conviver que é difícil.
A língua portuguesa
É falada em vários países
É uma língua viva, dizem os acadêmicos.
Mas são tão poucas palavras
Para dizer o que é intraduzível.
Para descrever a beleza de uma manhã.
Para elucidar a força de um beijo
E para falar das inquietações de um desejo.
São tão poucas palavras disponíveis
Para sussurrar ao coração.
É por isso que os apaixonados
Preferem a linguagem dos olhos.
Luiz Dias
Lembranças são pétalas
Apanhadas na primavera.
Se guardadas, chegam no verão,
Atravessam o ano
E ficam para sempre.
Porque não teria
Saudades do Rio Doce
Do colégio Libermann
Da rua da Pedreira.
Do sino da igreja
Badalando para a morte
Ou repicando para a celebração.
A poesia é minha voz
E a saudade, meu mundo.
Cheio de solidão
Cheio de distâncias
Quero voltar
Pra cidade
Que me viu nascer.
Onde as moças
Ficavam grávidas
Antes de se casarem.
Onde os loucos
Eram mais sábios
Que o delegado
E o juiz de paz.
Pra navegar
Em águas profundas
É preciso
Saber lidar
Com os destroços
Que as ondas provocam.
Assim como as lágrimas
Que ficam guardadas
Por muito tempo
Fazem grandes estragos.
Em alto-mar
Não há faróis
Só distância
E solidão.
da janela de vidro
ouço todas as vozes da rua
principalmente a algazarra do bar
que fica aberto noite adentro
na passarela para pedestres
bem na curva da avenida
a melancolia do parque vazio
com todas as luzes acesas
o velho e a criança esperam no abrigo
do ponto o ônibus que não vem
e o supermercado fechado sem ninguém
fora da quadra está a infância
presa no portão automático fechado
as aves domésticas pastam no gramado
sem saberem que os anos verticais
passam iguais no calendário mariano
e os frutos maduros do abacateiro
caem na candura da luz solar intangível
na calçada do prédio
ronda o cão quase vagabundo
adotado pelas crianças abandonadas
tudo está tão perto que todas as tardes
parecem paisagens feitas de nuvens
e de barulhentas tempestades
do outro lado a cidade alterosa
abre os seus enormes braços
para acolher o vento grave das nuvens
A história que é feita
Dia após dia
Não explica nada
Já vi o suficiente
Para entender essas coisas.
As frutas que amadurecem
Naturalmente sempre são mais doces.
E naquela bela manhã de setembro
Aquelas torres desabando
Não era nada natural.
De onde assistia a tudo atônito
Os móveis não cabiam na sala.
Hoje, eles lá, fazem um minuto,
E, eu aqui, na sala vazia,
Sem pressa, rezo pelos mortos.
Quando eu tinha 11 anos
ganhei uma bicicleta
da marca monark,
aquela que tinha uma barra forte,
saía todas as tardes
pedalando pela cidade.
Sentia-me dono do mundo.
Mais bonita que a minha
só a do meu amigo Braz
da marca phillips,
preta, importada
e pesava uns 30 quilos;
sempre dava um jeito de roubá-la
para passear pelas ruas calçadas
com um friozinho na barriga
e o coração nas nuvens.
Os pássaros podem voar,
o meu coração, não!
debruçado na janela
a paisagem é quieta
e frágil como as asas dos anjos.
Não ouço mais os sinos
da igreja matriz
nem sei decifrar
se é chegada ou partida,
procissão ou missa dominical.
os pássaros querem o céu
e eu sem remos ou vela
quero alcançar o infinito.