30 de junho de 2012

A viagem


Da janela do trem
Posso avistar o mundo
Abraçar as coisas intangíveis
E multiplicar as horas

Sobre os trilhos
Posso descortinar horizontes
Pontes, rios, curvas e distâncias
E avivar os sentidos tangíveis

(Entre as montanhas
Serpenteiam barulhos
Aproximam estações
E condensam partidas)

A vida imita cada chegada
E os dormentes de aço
Apascentam esperanças
Na terra já toda devastada

29 de junho de 2012

O que é haicai

Para Paulo Franchetti: "Haicai é a poesia da modéstia”, simples e direto, este estilo poético tem como objetivo expressar um sentimento utilizando, para isso, sensações ligadas às quatro estações do ano. E em apenas três linhas, sem rimas. É aprendizado garantindo, então, tentar criar este pequeno e preciso quebra-cabeças.

Haicai designa, no Brasil, um tipo de poesia japonesa, composta de três versos breves, centrados numa sensação ligada à passagem do tempo e os efeitos dela sobre os homens, bem como o renovar eterno da natureza.

Não há bom haicai com ostentação da técnica ou busca da originalidade. É uma poesia que busca dizer o mínimo, mostrar o mínimo e sugerir algo. O suficiente se define como "aquilo que basta para que o leitor possa sentir emoção, possa partilhar do momento em que o haicai foi escrito". O objetivo central é produzir emoção, como toda poesia.


Extraído do site: educarparacrescer.abril.com.br/leitura/
(texto de Luciana Fleury)

haicais

na noite de são João
a fogueira mantém
a tradição do povo

São Pedro faz a festa
das cidades alegres
do rincão nordestino

quentão, canjica
e muita quadrilha
nas festas juninas

28 de junho de 2012

Uma tarde qualquer


Cecília Meireles tem toda razão
as palavras voam
e, às vezes, pousam!...

passei a tarde toda
olhando um bando de pássaros
livres
perseguindo silenciosas borboletas
azuis
e no chão apressadas formigas
ágeis
não importa se é noite
ou se é dia
se é calor ou se é frio
tudo está certo
no seu lugar
cumprindo o seu destino
as palavras voam
e, às vezes, pousam!...

tudo está sendo feito
como sempre foi feito
seja de perto
seja de longe
os dias são feitos
de pequenos desejos
e vagas felicidades

antes que o dia acabasse
fechei a janela
porque sei que o tempo certo
ainda não chegou
preferimos morrer
do que sonhar
guardar a dor
para não sofrer
conter as emoções
e não esperar nada do céu

as palavras voam
e, às vezes, pousam!...

22 de junho de 2012

Véus de noivas

as montanhas de Minas

no inverno parecem noivas
de véus e grinaldas
guardiãs de segredos
ligando o céu e a terra
o belo e o infinito
o perto e o longe
o improvável e o definitivo

20 de junho de 2012

haicais

o pardal arisco
atravessa a grade do portão
para comer as migalhas

o galo mestiço
tem postura de rei
- dono do quintal

as manhãs frias
ainda guardam na serra
muita cerração

17 de junho de 2012

não cabe

(ao continente chamado Conselheiro Pena,
encravado entre as montanhas e as serras das Geraes)

quando vêm notícias
do outro continente
já me vejo estrelas
iluminando a noite
o meu coração
torna-se um porto seguro
de emoções, saudades
e lembranças vivas
palpitam os meus olhos
entre luas cheias
e noites claras
e leva-me imediatamente
à praça da matriz
onde a caça e o caçador
andando lado a lado
flertavam as paixões

quando vêm notícias
do outro continente
já me vejo olhando da janela
a carrocinha trazendo
cheiro de leite fresco
nas manhãs quentes
de um dia comum de verão
o vendedor de peixe,
de ovos, de frango e de caça
oferecendo facilidades
como folhas desprendidas
de uma árvore morta
no alto do morro

quando vêm notícias
do outro continente
já me vejo sob o sol
de uma tarde bem comum
vestindo a melhor roupa
para visitar os vizinhos
como canto de pássaros
prosear levezas e mistérios
falar dos que foram
e também dos que não foram
trocar receitas e amizades
até chegar as primeiras
carícias da noite salpicada
de brilho como fino linho
bordado para o enxoval

quando vêm notícias
do outro continente
o verbo arde no meu peito
cabem manhã e tarde
mas não cabe silêncio

16 de junho de 2012

haicais

o canto do anu-branco
é ouvido a longa distância
porque prefere campos abertos

o mutum do nordeste
nome de origem do tupy
que quer dizer "pele negra"

peixe-frito é esquisito
põe seus ovos em ninhos
de outras espécies

o pássaro tesourinha
bela espécie rabilonga
só aparece na primavera

minha cidade

minha poesia se encaixa
nas ruas calçadas
da minha cidade.

eu nunca estive no paraíso
mas lá, como na minha cidade,
também tem ruas, pedras, chapada,
riachos, serras e sementes.

minha cidade parece o paraíso
só não tem as ondas do mar.

Chapada

Os meus olhos buscam
fragmentos na memória
para reaver as lembranças
que o tempo insiste em apagar,
adiar e distanciar.

Depois que cresci,
a nostalgia passou
a ser uma estrada de terra
e um rio de água doce
com seu leito cada dia
mais estreito e pedregoso.

E, depois do depois,
a nostalgia tornou-se
sepultura no cemitério da cidade
eu na cova do lado fora
e a minha mãe do lado de dentro.

Mas agora,
a nostalgia é um festival
de inverno na chapada do bueno
eu estou do lado de cá
e a minha terra natal
tornou-se um continente
que está do lado lá.

15 de junho de 2012

Eu escuto


Não precisa falar muito alto
Eu escuto com o coração
O amanhã está pra chegar
Eu tenho medo de não dar tempo
A vida está muito apressada
E o tempo muito corrido
Apenas me segure firme
E me dê o teu ombro amigo
Só quero me proteger das mentiras
Desse mundo tão vasto e cruel

Não precisa falar muito alto
Eu escuto apenas apague a luz
Que eu escuto o que preciso ouvir
Que o teu amor é puro e sincero
Quando me abraça e me beija
Nas manhãs frias e vazias
E nas noites escuras e longas

Não precisa falar muito alto
Eu escuto apenas fale bem baixinho

12 de junho de 2012

também


assim como a vida
o amor também requer
muito cuidado
uma precisa do outro

não queira nunca flores,
só flores,
os espinhos também vêm
umas precisam dos outros

a vida vale pela beleza
das flores
e também pelo incomodo
dos espinhos

haicai

não quero mais ser poeta
prefiro ser jardineiro ou astronauta
- só plantar flores ou ver a terra azul

10 de junho de 2012

sem asas


nasci sem asas, sim!
mas não preciso
delas pra voar
basta fechar os olhos
e deixar a imaginação me levar pra bem longe