30 de abril de 2012

haicai


à margem da lagoa
o mundo fica mais vazio
sobre a água fria, só neblina

SONETO IV


Sonho com um amor
Sem ânsia de duas pessoas
Tentando possuir a outra.
Eu quero muito mais.

Quero duas pessoas
Caminhando juntas
E buscando a vida
A cada manhã.

Braços dados
Caminhos cruzados
Solidão jamais.

Vida plena
Caminhos abertos
Paixão perene.

passagem


o tempo passa
em minhas mãos
deixando rugas,
flores, sequelas
e terras esquecidas

só tento reter
o que me basta
para viver hoje
o resto vira sementes

29 de abril de 2012

haicai

o ventou passou
a chuva cessou
e o sabiá voltou a cantar

quero acordar

ando em um chão
que não existe
e em um caminho
que meus pés
não sabem percorrer.

tento abraçar a luz
de uma noite qualquer.

tudo é muito maior
que os meus braços
possam alcançar

tudo está tão distante
que os meus olhos
não conseguem enxergar

quero acordar
desse pesadelo
onde não tem estação
nem trilhos de trem
quero acordar logo

27 de abril de 2012

fantasia


olho-me no espelho
no presente e enxergo passado

falta-me muitas coisas
a começar palavras
depois esperanças

da infância alegre
e carnavalesca
sobrou-me apenas
silenciosas lembranças

da voz da minha mãe
restou-me tão-somente
enorme silêncio

hoje, prorrogo encontros
corto palavras
subtraio desejos
e guardo paixões

deixo o bloco passar
e fantasio-me de solidão

26 de abril de 2012

ainda

ainda me vejo
andando pelas ruas
de terra
rompendo a esquina
do armazém canta galo
ouvindo vozes de bêbedos
e boêmios

ainda me vejo
debaixo da mangueira
do quintal do seu nazário
com medo
da cacimba
e dos cabritos

ainda me vejo
no campinho de grama
jogando bola
livre como borboletas
no ar

ainda me vejo
na estação velha
sonhando com viagens
de trem até o mar


ainda me vejo
à beira do rio doce
aguardando a hora
certa de entrar
nas águas barrentas
para chegar do outro
lado da margem

ainda me vejo
no quarto dos fundos
lendo kafka, meireles,
hesse e proust
sozinho, é verdade,
mas sempre na companhia
de muitos

23 de abril de 2012

haicais

os olhares dos poetas
se voltam para o céu
aguardando a lua cheia

a pressa do mundo
não deixa os homens
notarem a beleza da lua

a estação de outono
no hemisfério sul
faz a lua cheia mais cheia

20 de abril de 2012

haicais


 o casulo espera
o momento certo
para virar mariposa

















os apressados nunca
se tornarão mariposa
nem verão as luzes da noite

















as noites de outono
despertam as mariposas
com suas asas azuis

18 de abril de 2012

Timoneiro

ao meu tio Augusto Veríssimo da Silva


não há mais lágrimas
em sua face, secaram;
mas ele continua firme

não há mais noite iluminada
só escuridão;
mas ele ainda brilha

não há mais terra arada
nem mata nem capoeira
só deserto;
mas ele insiste em plantar flores

não há mais mandato
só pleito e rixa;
mas ele não precisa mais de cargos

sobre seus ombros
pairam familiares e amigos
que já morreram
e ficaram perdidos
nos raios de luz
que as tardes ensolaradas
deixaram escapar
entre as nuvens espessas
de um céu cinzento

sob seus pés calejados
levantaram muita poeira e pó,
necessidades e leis,
distâncias e disputas
que a vida pública impõe
e reserva aos homens de bem

diante dos seus olhos vermelhos
e lacrimejantes pousaram
tantas dúvidas, contentas e desavenças;
mas ele sempre sereno e atento
e com sobriedade audaz
manteve em suas mãos fortes
o mastro que iça as velas
e o leme que nortea o barco

os ventos, as tempestades
e as dores não deixaram trincas
nem frissuras em seu rosto
se, hoje, a vida está sendo dura;
o tempo, ao contrário, dócil;
nada excede ou transborda
tudo está na medida exata

15 de abril de 2012

haicais

a lua cheia outonal
inspira os haicaístas
no pátio do Templo

amor, amor, amor!
a lua cheia saltita
no coração dos amantes

quem ama de verdade
sabe o que a lua cheia
ainda é capaz de fazer

13 de abril de 2012

bússula


o que herdei de meu pai
eu não sei
talvez, quem sabe,
acordar às seis horas da manhã
ou talvez, quem sabe,
um jeito único de viver,
amar e tratar as pessoas
com cumplicidade e respeito

uma coisa eu tenho certeza
que aprendi de meu pai
romper amarras e compor sonetos
com rima livre e métrica
poucas metáforas e menos subterfúgios

é a simplicidade
que torna a poesia bela

12 de abril de 2012

banquete

para Voninha (in memorium)

a nossa casa
era sem histórias
na hora de dormir,
mas tinha sempre
cheiro gostoso de comida

nossa mãe prendada
e gorda sabia cozinhar
como ninguém
fazia de tudo
e não provava nada

a nossa casa
estava sempre cheia
de amigos, primos,
vizinhos, doentes
e vazia de solidão

minha irmã, ontem você se foi,
mostre o que aprendeu
com a nossa mãe,
prepare um banquete
não deixe faltar
suã com arroz
e doces saborosos
feitos com o leite da fazenda

10 de abril de 2012

haicais


kigo: outono (e a primeira lua cheia)

entre montanhas e vales
surge a lua cheia
ofuscando as estrelas


antes do amanhecer
a lua cheia de outono
enche a noite de brilho


a lua cheia do outono
não é só dos amantes
mas dos poetas também

6 de abril de 2012

o tempo

o tempo é avaro
cobra demais
ora lembrança
ora saudade

quando não ceifa
onde nunca plantou!

cura sim, é verdade!
algumas eternas ausências
mas, às vezes, alimenta
sentimentos escusos
por muitos anos e até décadas

o tempo é padastro
não tem melhorado a humanidade
o pai eterno moldou de barro
o que não existia
e os homens, hoje, estão destruindo
com bala de aço os seus iguais

o céu desenha nas nuvens
lindos quadros
e o tempo é como o vento
num instante desfaz tudo

4 de abril de 2012

haicais


REUNIÃO DE POETAS PARA CONTEMPLAR A LUA CHEIA DE OUTONO E COMPOR HAICAIS SOBRE A OCASIÃO
5 de abril de 2012 - Espaço Cultural Soto-Zenshu - Templo Busshinji
Rua São Joaquim, 285, São Pauloem cinco de abril
uma plêiade de poetas
estarão admirando a lua

grande expectativa
no pátio do Templo
à espera da lua cheia

o sol é rei, sim!
mas, somente a lua cheia
tem súditos e amantes

3 de abril de 2012

papagaio

















enquanto, empino o papagaio,
minha mãe, cozinha
no fogão à lenha

a manivela solta
a linha
e leva para o alto
do céu... o papagaio
e os sonhos de menino

a linha, uma hora acaba,
meus sonhos não!

e minha mãe me chama:
- vem menino, vem!
o almoço está pronto
e põe seus pés no chão!