27 de fevereiro de 2009

Nem preciso..

o que fui um dia,
não serei nunca mais;
porque nesta vida
as coisas passam
muito depressa,
nada mais é para sempre,
matrimônio é contrato
que pode ser desfeito.

o isqueiro é descartável,
o ídolo é passageiro,
a beleza é retocável,
e o chip é trocado.

o que serei um dia
nem preciso ser mais.

Haicais

A minha homenagem à cidade de Viçosa, em Minas Gerais, na Zona da Mata


o casal de jacu
na pitombeira
era atração da tarde

o lago do “campus”
reflete com clareza
o corre-corre da manhã

a mata preservada
mantém a cidade
livre da poluição

os trilhos de ferro
espalhados pelas ruas
enfeiam a cidade

no inverno rigoroso
as montanhas
se vestem de noivas

26 de fevereiro de 2009

À sombra das palavras


Quando eu li o livro
Olhos de Cão Azul
de Garcia Márquez
já sabia antemão
que a minha sina
era libertar meu coração
à sombra das palavras
não importava a cidade ou a vila.


Para a poesia o chão é sempre sagrado
não há ruas estreitas
nem avenidas interditadas.

25 de fevereiro de 2009

Fim de festa

quarta-feira de cinzas
as estradas estão intransitáveis
escondem em suas curvas
a imprudência provável
e os homens vão pelas sombras
carregando em seus ombros
a solidão de horizontes
que não tem sóis
nem nuvens nem estrelas.

os homens hoje pisam em caminhos
de terra, de cinzas e de incertezas
porque perderam o sentido
a que vieram para esse mundo.

24 de fevereiro de 2009

Lulin

O cometa passou muito depressa, mas não poderia deixar de registrar
a sua única e passageira visita ao nosso planeta



Você passou tão perto
da minha casa,
mas não deu tempo
pra fazer nada não
Convidar pra ficar
nem pensar.

A que distância
agora estamos um do outro
eu vou continuar aqui.
E você? Onde estará agora?
Ontem à noite, um cometa;
hoje apenas um risco de fogo no céu.

21 de fevereiro de 2009

Deixa a saudade

"in memorium" ao meu irmão, Ives Anastácio de Paula, que faleceu no dia 15/02/2009. às 8h40.


Tarde demais, meu irmão!
assim como a vida tem
o seu próprio com(passo)
a morte também tem o mesmo com(passo)
às vezes a morte demora, até tarda;
mas nunca falha e sempre acorda
todo mundo muito cedo.

das armadilhas que a vida impõe
uns escapam ilesos,
outros ficam surpresos;
enfim, é assim a nossa vida
quando esgotam as saídas
e os becos ficam muito estreitos
vem a morte para dar um jeito.

para os que ficam deixa a saudade
e para os que vão a certeza da eternidade.

15 de fevereiro de 2009

Histórias da minha cidade II

Quitandas de amor

Quando minha avó filinha vinha de sua cidade para fazer os doces e as quitandas na minha casa. Era uma festa. Como se os anjos tivessem batendo na porta do céu. Ou como os pássaros em revoada tivessem voltando de uma grande invernada.
Minha mãe preparava o forno de barro, que ficava bem em frente à porta da cozinha. E mandava limpar o quintal e consertar a cerca de pau de braúna.
...
Minha avó materna tinha a capacidade de ensinar que o amor era tátil bastava tocar com suas mãos de pele, de ossos e de carne. Deus fez a sua Obra e descansou; a minha avó não, passou a vida inteira ensinando uma maneira delicada de amar. Enquanto sovava as massas falava de sua vida como uma curva branda de um rio invisível que tinha lá nas encostas de um lugarejo das terras dos bugres.
O amor da minha avó tinha o cheiro de tacho no fogo e o gosto de doces amanteigados.

14 de fevereiro de 2009

História da minha cidade

Distocando e vassourando

Já viajei muito — disse Clemente — e nunca deixei de fazer qualquer coisa por estar com medo. A vida não perdoa os medrosos. A vida é do tamanho do nosso pensamento, não é mais nem menos.
Com essas palavras, Clemente passava o dia inteiro subindo e descendo as ruas da cidade. Podia estar chovendo ou fazendo sol. Sempre com uns ramos em uma mão e na outra uma vassoura de piaçava. Ia pela cidade varrendo as ruas e arrancando as flores dos jardins das casas.
....
Foram muitos anos a rotina do Clemente pela cidade. Quando não estava varrendo as ruas e arrancando as flores dos jardins sentava nas calçadas para contar as suas histórias.
....
A sua expressão atravessou várias gerações na cidade: distocando e vassourando.
Quando ele morreu a cidade ficou muito suja, mas toda florida.

13 de fevereiro de 2009

Poemas




12 de fevereiro de 2009

Haicais












a ditadura militar
calaram bocas
mas não dobraram joelhos

se não tenho direito
a asas para voar
dá-me liberdade para escrever

o broto promete cor,
sombra e sabor;
a vida – amor e solidão

11 de fevereiro de 2009

Poema


10 de fevereiro de 2009

haicais







9 de fevereiro de 2009

Poema







6 de fevereiro de 2009

haicais

as palavras só valem
se forem escritas;
as ditas, o vento leva


não guardo amor,
não faço contas,
apenas escrevo poemas

5 de fevereiro de 2009

haicais









nas manhãs quentes
as carícias do vento
desenham luas e solidão

as tardes vão-se repetindo
as palavras também
e o tempo fica nas entrelinhas

o verão foi tecido
no vácuo das horas perdidas
e no borbulho das águas correntes



4 de fevereiro de 2009

haicais


quem guarda silêncio
não foge das aflições
nem morre mais tarde

a amizade não cura,
mas como ajuda
superar dificuldades!

haicai





quem pensa que peixe
só morre pela boca
nunca viu um arrastão

3 de fevereiro de 2009

Haicais

o mar é uma incógnita
que os portugueses
tentaram desvendar

quem pensa que Deus
não tem coração
não sabe nada de amor

o vento beija e balança
meu rosto todas tardes

quentes de veraneio

2 de fevereiro de 2009

Haicais

o vai-e-vem das ondas
traz presságios
e levam anseios humanos

a vitória não vem
do mar nem da terra
vem mesmo do céu
o marisco constrói
a sua casa nas areias
todos dias e após o dia

1 de fevereiro de 2009

Haicais

as garças voam
às margens do mar
procurando mariscos

o vento traz
a brisa leve
que refresca

o mar impávido
guarda segredos
dos confins da terra