30 de novembro de 2012

Lembranças da minha avó

a cristaleira da avó
mais parecia um sacrário
não tinha nada profano
tudo era sagrado
e guardado a sete chaves

atraía os olhares de todos
ficava na copa perto da porta da cozinha
a madeira escura e antiga
paracia jacarandá
e os vidros de cristal
chamavam mais atenção

lá dentro tinha iguarias
achadas e compradas
no buteco da esquina
vinho fino para fazer xarope
canela de macaco, dente de morcego
cravo da índia, umbigo de criança
e uma caixinha de música
com uma bailarina tão delicada
quanto as lembranças da minha avó

27 de novembro de 2012

O que é amor?



Agora eu posso morrer
Antes de acordar
Porque eu sei o que é o amor.

No meu começo não havia nada
Só escuridão e vazio
Ele precisou criar a terra, o céu e o mar
E, depois do depois, me soprou e me deu forma
E agora eu sei, quando a escuridão da noite,
Vai se aproximar de mim
Ele já providenciou o sol da manhã
Isso não é promessa, é amor
Amor é isso, provisão e proteção!
O resto pode ser até tudo, menos amor.

Eu sei que é muito difícil
Desistir do que o coração está dizendo
Mas nem sempre o que o coração diz
É verdade e faz bem pra vida toda
A paixão faz bem, e é muito bom
Mas dura pouco, ou quase nada!
O amor não, o amor que provém
Que cuida e que protege dura muito
E permanece para sempre!

Basta falar as línguas dos homens
E ter um pouco de ciência
Para saber o que o amor faz
Que é sofrer, crer, esperar e suportar
Mas só amor de verdade cuida e protege
O resto pode ser tudo, menos amor.

25 de novembro de 2012

ainda há em mim

ainda há em mim uma pequena cidade
de terra fértil
micas, pedras preciosas,
planura, serras
rios e sinos de igreja

ainda há em mim uma estrada de ferro
trilhos, pontilhões,
curvas, distância,
silêncio e atrasos

ainda há em mim um lugar de sonhos
em que a vizinha
contava estórias de príncipes,
fadas, assombrações,
procissões, jardins,
manhãs e damas da noite

ainda há em mim uma luz
que nunca se apaga
e vôo de asas abertas
dos papagaios coloridos
da minha infância
cheia de risos e anjos

24 de novembro de 2012

haicai















a tempestade da tarde
derrubou telhados e placas
enchendo a avenida de água

22 de novembro de 2012

haicais















a touceira de bambu
mantém-se sempre firme
porque sabe curvar-se
















todas as tardes
os sabiás cantam
na antena parabólica
















as arredias angolas
ciscam perto da cerca -
olha aqui, repara acolá

21 de novembro de 2012

os trilhos

os trilhos me lembram
infância, distância,
saudade, horizontes,
rios, pontes e amigos

os trilhos me fazem olhar
para trás
com um profundo sentimento
de liberdade pessoal
e comunitária

os trilhos traziam minha vó
para fazer no forno de barro
biscoitos, brevidades,
suspiros e broas de fubá

os trillhos me falam
de família e de pés descalços

19 de novembro de 2012

haicais





















Vovó sentava na varanda
e penteava os longos cabelos
olhando a chuva de verão
















o jardineiro varrendo
as folhas da castanheira.
Que trabalho em vão!


















 A primavera nem começou
e a brisa da linda manhã
já traz o cheiro das flores

16 de novembro de 2012

haicai

Proclamação da República
feriado em todo país.
Os carros invadem as estradas!

15 de novembro de 2012

haicai

o outono desnudo
sabe esperar
as flores da primavera

a passagem

os dias passam
tão suavemente
nem percebemos
que o tempo passou
por entre sombras

vem a noite sorrateiramente
enfeitada de lua e estrelas
nem percebemos
que o tempo passou

vem o silêncio da manhã
esconde as coisas belas
e a sinfonia da tarde
que realça a primavera
nem percebemos
que o tempo passou

distraídos pela brisa
ficamos solitários e velhos
nem percebemos

13 de novembro de 2012

haicais
















as abelhas silvestres
enquanto se alimentam
ajudam na polarização












 



no fundo do quintal
com muita simplicidade
surgiu uma linda flor

















os rios mais perenes
nascem nas cabeceiras
das encostas da serra

12 de novembro de 2012

reencontro sonoro

para Lídia Chambella

a saudade
que ardia em mim
não arde mais

o silêncio
que me incomodava
não incomoda mais

a voz da minha amiga
foi um grito bem forte
que ecoou no meu coração
dizendo que amizade sincera
não morre nunca

o silêncio virou música

8 de novembro de 2012

Sonhos



De que são feitos meus sonhos?
Uns, foi Deus quem me deu.
Esses, tenho certeza, realizarão.

Outros, esculpidos na poeira
De mil caminhos que atravessei.

Mais outros, traçados nas frestas
Entre o silêncio e as trovoadas.

E tantos outros, moldados nas esquinas
Em que fiquei esperando as arestas do dia.

De que são feitos meus sonhos?
Uns, de promessas...
... outros, de ventos e insônias.

6 de novembro de 2012

as contas


quem conta os dias pelas horas do relógio
esquece que a noite enfadonha
vem sorrateiramente e apaga a claridade do dia

nada detém a fúria do tempo
é como a relva [do campo]
vem a foice, ceifa;
vem o vento forte, espalha;
vem o homem, amontoa;
vem o fogo, queima

quem conta os meses pelas fases da lua
corre sério risco de confundir
um semi-círculo com a parte convexa
entre duas fases iguais consecutivas

quem conta os anos pela distância
da terra em relação ao sol
transforma toda a sua existência
num calendário antigo de parede

3 de novembro de 2012

Longevidade

para dona Dirce Campos pelos 90 anos de idade


Vive muito quem se cuida;
vive muito melhor quem sabe dividir
com dois, três ou um milhão de amigos
as alegrias e as tristezas da vida.

Felicidade não é um troféu
de uma corrida vitóriosa;
mas é uma vida longa e inteira
de grandes perdas e boas lembranças;
enormes desafios e pequenas conquistas.

Longevidade não é um prêmio
agraciado pelo infinito;
mas é uma labuta diária
dos que sabem lidar
com as adversidades cotidianas
e se deixam levar
pela simplicidade do dia a dia.

Há aqueles que da vida querem apenas
caminhos retos e vales floridos;
mares calmos e noites claras;
mas tropeçam nas pequenas pedras,
ou se afogam em águas rasas de rios;
têm corpos sarados e almas agitadas;
têm línguas afiadas e palavras vazias.

Há quem sabe que a vida
é feita de incertezas e velas ao vento;
praias desertas e noites escuras;
e sabe, que no meio do caminho,
tem muitas pedras e mares profundos;
ainda assim, tem a alma serena
e comemora 90 anos de idade
rodeada de filhos, netos, bisnetos e amigos.

Belo Horizonte
3/11/2012

2 de novembro de 2012

tardiamente



ainda que tardia
a minha felicidade
ainda assim, insisto;
ninguém morre na véspera
a não ser o peru de natal
como dizia meu falecido pai.

sai de casa muito cedo,
percorri caminhos,
atravessei estradas,
permaneci calado,
mas a minha poesia, não!

ainda que tardia
ainda assim
insisto em correr atrás
de tudo que perdi
a porta da minha casa
não tem tramela nem trinco
está sempre aberta.