27 de abril de 2010

A seara do poeta









poeta não escreveu o Alcorão –
é para os religiosos.
poeta não interpretou a Bíblia –
é para os teólogos.

poeta mesmo escreve
sobre pedra no caminho,
lua cheia e água cristalina.

poeta que é poeta
fala de chuva, de vento,
de estrelas e de manhãs.

de canários cantando na mangueira,
de solidão e de noites vazias.

de rios que procuram o mar
e de nuvens que trazem a chuva.

poeta que é poeta
fala de saudade e de solidão;
de lembranças e de ambiguidades.

Aqui e agora
























a noite é muito longa
e a minha vida muito curta
não posso esperar o amanhã.
a solidão é sempre insistente
está batendo na porta do meu quarto.

esse mundo está cheio de aves de rapina
não posso esperar o trem na estação
nem sei se existe esse lugar chamado paraíso.
porque a vida faz sentido e é boa de verdade
aqui e agora, o resto é esperança e fumaça.

e eu sei que a alegria é tão passageira
quanto um dia lindo e florido de primavera.
a felicidade, essa, as ondas do mar podem levar
e na praia apenas areia, espuma e maresia.

tudo que é bom nessa vida
tem que ser aqui e agora
porque só assim vale a pena viver.

Lado a lado

à Ana
























não há nada melhor
do que viver ao teu lado.

quando parece tudo escuro
vem a tua luz.

quando fecham as portas
vem o brilho dos teus olhos.

quando acabam os caminhos
vem os teus passos leves.

quando aparecem os obstáculos
vem os teus braços fortes.

não há nada melhor
do que viver ao teu lado
e estar ao lado do teu lado.

Essa é a vida

















jogar conversa fora
até o raiar do dia.

ficar olhando
para o céu azul.

procurar na tarde,
que ainda vai chegar,
o que nunca se perdeu.

ouvir os pássaros
cantando solenemente
no galho da mangueira.

essa é a vida
que eu quero encontrar
enquanto espero a noite
que jamais muda de cor.

Fio de algodão















não quero falar
da lua cheia
nem do céu azul
que estão ao meu redor.

quero sim, de olhos fechados,
envolto à redoma de vidro,
descrever sonhos e memórias
do menino pálido e magricelo
(entre os ventos de agosto),
que empinava pipas coloridas
com suas asas tênues
presa ao fio de algodão
subiam nas alturas das nuvens.

quero sim, revelar os segredos
que a vida insiste em manter intactos
tudo é tão efêmero e provisório
os ventos que carregam lágrimas
e trazem limites, fronteiras e solidão.

entre os dedos firmes e suados
apenas uma névoa presa ao fio.

Muito mais
















o amor é muito mais
que a claridade do dia
ou o brilho dourado da lua.

o amor é muito mais
que saber as leis da solidão
ou sobreviver de um naufrágio

o amor é muito mais
que guardar as memórias delicadas
ou alcançar com as mãos as estrelas.

o amor é a sombra da tarde
que morre lentamente atrás do morro
é a voz quase divina dos anjos

o amor é mais, muito mais
que dois corpos que se entregam
ou duas mãos que se entrelaçam.

o amor é o encontro de finitos
que anseiam os longes do infinito.

O além dos aléns

















os solitários não sabem
dos ventos.

os tristes não sabem
das ondas.

os infelizes não sabem
das estradas.

os ventos espantam
os cavalos livres pelas campinas.

as ondas conduzem
as espumas que invadem as praias.

as estradas atravessam
as distâncias dos campos floridos.

ninguém fere as sombras
nem enterra o presente
nem abafa os ecos.

só os esperançosos e pacientes
enxergam o além dos aléns.

quanto mais se caminha
mais distância se percorre.
tudo nesta vida é tão deserto
metade fica do lado de cá
e a outra metade não fica perto.

23 de abril de 2010

haicais

ao pé da serra
o sol da manhã
alumia a bela cidade.


na serra do rola moça
o sol invade a tarde
e acende o horizonte

as flores que cobrem
a serra do rola moça
perfumam os ares da cidade.

20 de abril de 2010

Matriz de São José


















a igreja era pequena
as paredes pareciam maiores
e os bancos de madeira maciça
eram mais fortes e robustos
que os próprios fiéis.

o padre era ofegante, suado
e estrangeiro das "terras baixas".
as batinas eram pretas, surradas e grossas.
as tábuas do púlpito subiam
até o teto forrado de madeira nobre.

as flores que enfeitavam o altar
vinham do jardim da casa paroquial.

a ladainha comprida e cantada
dava o tom da celebração.

o murmúrio de reza latina
ainda enfeita o altar das minhas remotas
e castas lembranças.

15 de abril de 2010

P&B

Para o meu amigo Rodrigo Valente Noronha, um artista sem retoques
















Visite o seu blogue: http://www.rodrigovalente.tumblr.com

não posso
ter pressa
para ver suas
fotos P&B.

não preciso
de lentes
para apreciar
sua arte fotográfica.

o foco em segundos
torna-se luz opaca
e eterniza o gesto,
o objeto e o instante.

parece que a imagem
já existia antes do mundo
ser colorido e digital.

sua máquina
focaliza o corpo
rasga o peito
e mostra a alma.

o que é branco
fica longe
e o que é preto
parece perto.

não tem
ponto muito escuro
nem muito claro
o que está fora
parece simples
e o que está dentro
é muito mais raro.

13 de abril de 2010

Beira-mar

Foto do arquivo pessoal da minha amiga Gleise Marino




















abro todas portas
e janelas
para que o vento breve
e último da tarde
entre por todos os cômodos
da minha vida
e percorra cada
canto da minha saudade
e desperte os meus sonhos
adormecidos.

já entardeceu em minha vida
restou apenas resquícios
do brilho do sol e a porta aberta.

12 de abril de 2010

Não é proibido nem permitido









eu não sabia
que poderia
haver felicidade
nesta vida
sem ter que morrer.

assim como
poderia ter
vida, e vida
em abundância,
sem precisar de
acender um cigarro.

hoje eu prefiro
silêncio
a palavras ambíguas.

hoje eu prefiro
noite escura
a fumaça vaga,
sinuosa e tardia.

hoje eu me permito
viver livre da anuência
do proibido.

Haicais

Fotos do arquivo pessoal da minha amiga Gleise Marino
















o sal do mar
vem das lágrimas
e dos sonhos inacabados.




















o mar é o caminho
mais curto e estreito
para alcançar o além.




















as garças quando
voam parecem
lenços brancos no céu.

6 de abril de 2010

11 de setembro

Acordei cedo,
o céu estava todo azul,
quase sem nuvens,
via-se longe, muito longe,
a linha do horizonte,
parecia ter sido feita
por uma régua madeira.

E de repente, só poeira!
Poeira e mais poeira.

Depois, só escombros,
de um dia seguinte,
de uma grande nação.