30 de setembro de 2011

haicai


o sabiá-d0-barranco
só canta na primavera
estação do acasalamento

Sem palavras


A língua portuguesa
É falada em vários países
É uma língua viva, dizem os acadêmicos.

Mas são tão poucas palavras
Para dizer o que é intraduzível.
Para descrever a beleza de uma manhã.
Para elucidar a força de um beijo
E para falar das inquietações de um desejo.

São tão poucas palavras disponíveis
Para sussurrar ao coração.

É por isso que os apaixonados
Preferem a linguagem dos olhos.

Os dias


Rumo ao pôr do sol
Os dias voam
Parece pássaro em fuga
Levando para as lonjuras
O sonho que o tempo não devolve.

As asas do vento são mais velozes
Que as memórias de um homem.

29 de setembro de 2011

Serra da triste esperança

Olha o que o meu amigo poeta, Luiz Dias, escreveu:
"O fogo ainda queima o que não era para ser queimado."


Que dor mais quente essa que o verde sente,
E que o fogo arrasa em brasa e queima os olhos da gente.
Meus olhos vermelhos, se pudessem, chorariam infinitamente,
E minhas lágrimas iriam cair, até o fogo sumir,
E acabar com essa dor da gente de ver o que não era para ser visto.
Não dá mais para relevar, tudo morto.
O chão está em silêncio, e a terra começa a preparar outras árvores.
Anos e anos passarão, até tudo voltar, como era antes.
Passarinho passarinhou para outro lugar,
Filhote, não; morreu, que nem bicho acuado.
Onde estava o homem?
A dor podia ter ido para longe.
Cadê as aves, árvores, cadê os bichos: fogo queimou.
O governo sumiu.
Rola moça, não existe mais.
Minha dor, preta, como chão queimado, clama por justiça:
Justiça para os justos,
Justiça para o verde.
Onde estava você, homem poderoso,
Que vive de voto e, para quem o verde não dá ibope.
Bichos, aves e árvores, sem culpa, morreram, num duro golpe.
Até quando, o verde precisará renascer das cinzas?
Você, aí, sempre guardado no castelo de ouro da liberdade,
Nada sentiu, o fogo não viu - o seu caminho, não é de gente.
A serra verde, não existe mais.
Como vocês conseguem dormir em paz?

Luiz Dias

28 de setembro de 2011

há séculos


o amor que eu guardo
não há segredo ou fechadura,
vãos abissais ou portas secretas
que possam esconder
a chave que abre o meu coração.

há séculos e séculos
guardo o mesmo amor.

23 de setembro de 2011

Para sempre

à primavera que começa hoje (23/9, às 6h04)


Lembranças são pétalas
Apanhadas na primavera.
Se guardadas, chegam no verão,
Atravessam o ano
E ficam para sempre.

Meu mundo

Tenho saudades
Do mar capixaba.
Das lindas tardes
À beira do pantanal.
Das noites frias
Nas calçadas dos bares
Do bairro do Bexiga.

Porque não teria
Saudades do Rio Doce
Do colégio Libermann
Da rua da Pedreira.
Do sino da igreja
Badalando para a morte
Ou repicando para a celebração.

A poesia é minha voz
E a saudade, meu mundo.

Os loucos

Este desenho é de uma obra de um poeta e
de um sábio que nos conduz ao mundo mais fascinante de todos: o que existe dentro de nós mesmos. (O Louco, de Gibran Kalil Gibran)


Cheio de solidão
Cheio de distâncias
Quero voltar
Pra cidade
Que me viu nascer.
Onde as moças
Ficavam grávidas
Antes de se casarem.
Onde os loucos
Eram mais sábios
Que o delegado
E o juiz de paz.

Navegação

Pra navegar
Em águas profundas
É preciso
Saber lidar
Com os destroços
Que as ondas provocam.
Assim como as lágrimas
Que ficam guardadas
Por muito tempo
Fazem grandes estragos.

Em alto-mar
Não há faróis
Só distância
E solidão.

20 de setembro de 2011

haicai

o tempo não vem
com os ventos -
surge todas manhãs

19 de setembro de 2011

do outro lado

da janela de vidro
ouço todas as vozes da rua
principalmente a algazarra do bar
que fica aberto noite adentro

na passarela para pedestres
bem na curva da avenida
a melancolia do parque vazio
com todas as luzes acesas
o velho e a criança esperam no abrigo
do ponto o ônibus que não vem
e o supermercado fechado sem ninguém

fora da quadra está a infância
presa no portão automático fechado
as aves domésticas pastam no gramado
sem saberem que os anos verticais
passam iguais no calendário mariano
e os frutos maduros do abacateiro
caem na candura da luz solar intangível

na calçada do prédio
ronda o cão quase vagabundo
adotado pelas crianças abandonadas
tudo está tão perto que todas as tardes
parecem paisagens feitas de nuvens
e de barulhentas tempestades

do outro lado a cidade alterosa
abre os seus enormes braços
para acolher o vento grave das nuvens

16 de setembro de 2011

haicais

a aranha tece
toda manhã a teia
que prende o inseto

no telho do vizinho
os gatos no cio
fazem a maior algazarra

aqui na quadra
as mulheres fazem
o serviço dos homens

13 de setembro de 2011

haicais

na suavidade da tarde
as borboletam voejam
entre os arvoredos

os pássaros silvestres
procuram comida
na janela do prédio


a farra dos pardais
debaixo do abacateiro
a procura de frutos maduros

11 de setembro de 2011

Manhã de setembro

A história que é feita
Dia após dia
Não explica nada
Já vi o suficiente
Para entender essas coisas.

As frutas que amadurecem
Naturalmente sempre são mais doces.
E naquela bela manhã de setembro
Aquelas torres desabando
Não era nada natural.
De onde assistia a tudo atônito
Os móveis não cabiam na sala.

Hoje, eles lá, fazem um minuto,
E, eu aqui, na sala vazia,
Sem pressa, rezo pelos mortos.

8 de setembro de 2011

haicais


os últimos raios
do sol de inverno
avermelham o céu

as queimadas na mata
não apagam a memória
dos frutos na terra

5 de setembro de 2011

A bicicleta

Quando eu tinha 11 anos
ganhei uma bicicleta
da marca monark,
aquela que tinha uma barra forte,
saía todas as tardes
pedalando pela cidade.
Sentia-me dono do mundo.

Mais bonita que a minha
só a do meu amigo Braz
da marca phillips,
preta, importada
e pesava uns 30 quilos;
sempre dava um jeito de roubá-la
para passear pelas ruas calçadas
com um friozinho na barriga
e o coração nas nuvens.

4 de setembro de 2011

Antes do amanhecer













in memorium Amy Winehouse
amanhã é muito longe
para quem tatua o corpo
quebra paradigma
e ata as próprias mãos.

para quem tinha navalhas afiadas
não podia esperar o por-do-sol
nem as noites frias de domingo
e mesmo distante da vidraça
os seus olhos não podiam ver
as planicies brancas das manhãs.

antes do amanhecer
a música pára
a fã chora em prantos
a tarde torna-se noite fria
e o mundo perplexo se cala.

a voz que fala à alma
não sobrevive à penumbra:
"Will You Still Love Me Tomorrow?"


2 de setembro de 2011

Da janela

Os pássaros podem voar,
o meu coração, não!
debruçado na janela
a paisagem é quieta
e frágil como as asas dos anjos.

Não ouço mais os sinos
da igreja matriz
nem sei decifrar
se é chegada ou partida,
procissão ou missa dominical.

os pássaros querem o céu
e eu sem remos ou vela
quero alcançar o infinito.