Estas lembranças poderão ser copiadas e até reproduzidas; esquecidas, jamais. Copyright Mauro Lúcio de Paula (2ª parte do livro de memórias a ser publicado)
O sopro da liberdade me envolveu,
ainda no berço,
quando criança.
Enquanto o sabiá cantava no fundo quintal
eu ousava sem asas vôos matinais.
Nasci para me buscar sem tréguas,
nos impossíveis dos primeiros dias
e nas últimas lágrimas de mágoas noturnas.
Nasci para sentar à beira de um rio
E plantar jasmineiros e beber água corrente.
Nasci para morar numa casa
Que nunca passou chave na porta da frente.
Nunca ouvi o meu pai dizer
tranca a porta da casa
e tranca duas vezes o quarto do teu coração.
Chorar por amor não faz mal não.
E soluçar por uma paixão não é em vão não.
Mas não tranca a porta da sala não.
A minha vida não tem mistérios.
Uns amores impossíveis aqui,
rezas do terço às escuras ali,
sussurros e frases obscenas
e algumas culpas penhoradas.
Mas, o dia 31 de março,
eu me lembro muito bem,
ganhei um relógio de presente.
Eu vi tanque de guerra na rua
Eu vi bomba de gás chiando no chão.
Eu ouvi o choro de criança
Interromper os gritos dos calabouços.
Eu vi a mentira querendo prevalecer
E vencer a verdade dos homens de bem.
Minha bisavó sexagenária
Morreu, não por causa da idade.
Mas porque um dos seus vizinhos
Foi preso por uma causa revolucionária.
A cova da minha bisavó tem flores,
nos feriados de finados.
A do seu vizinho não.
Não existe cova nem ossadas.
Infeliz é a Nação que quer fazer história
Usurpando do povo a sua memória.
Um País só se torna soberano
Quando seu território é livre
Tem seixos minerais
Tem remendos de cetim
Tem palavras e flores de jasmins.
Grilhões, prisões e calabouços
Não prendem os sonhos humanos.
Unhas e cabelos, crescem todos os dias.
Desejos e amores, renascem em todos os momentos.
Macela e margarida têm um tempo certo
para florir.
Sonhos e vontades não têm tempo exato
nem para morrer.
Tolos são aqueles que pensam, ao contrário.
Governos passam,
tiranos também.
Virgindade é única,
amores são tantos.
Egoístas são maus,
ditadores são os que fazem o mau.
Mas os torturadores são o próprio Mal.
Fecharam o congresso.
Calaram os manifestantes.
Prenderam os comunistas
Mataram os corajosos.
Hoje eu posso abrir os olhos com a cara e a coragem.
Hoje eu posso dizer que sobrevivi a vida da própria vida.
Eu me lembro muito bem
Quando eu ia para faculdade de mochila nas costas.
Estudava literatura e didática
Mas o que mais me fascinava
Era como derrubar a ditadura militar.
Eu me lembro também
Que para ler sobre a vida e a trajetória
De Leon Trotsky, só de madrugada,
no porão de uma casa antiga,
numa famosa avenida paulistana.
E nas tardes livres de domingo
Ia panfletar nas ruas e nas favelas.
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