5 de dezembro de 2007

Contos urbanos da loucura - II

Este casarão é da cidade Jequitinhonha, no Vale do Jequitinhonha, terra da minha colega de trabalho e uma grande amiga Heloísa Sávia Amaral Duarte, produtora musical.




O amor quase mais que perfeito


A tarde caía, quando o carro que levava Miguel, em companhia de Pedro, parou em frente daquele casarão antigo. Por cima da porta de madeira tinha uma placa: "República dos Ratos", ornada por dois grandes leões. A porta se abriu e apareceu uma mulher jovem, acompanhada de duas crianças que contemplavam de olhos arregalados os visitantes. Os rapazes cumprimentaram as crianças com gestos estranhos das mãos no que foram imediatamente imitados.
– Vocês são os novos inquilinos doutores da república?
– Sim, responderam os dois quase juntos.
– Vocês estavam sendo esperados antes do almoço. Eu sou a faxineira. Já estou de saída. Deixei tudo arrumado para os doutores. Vamos, crianças, estamos atrasados. Só balançou a cabeça, num gestual todo próprio, e desceu a rua.
– É lindo este lugar! Nunca vi nada tão legal! Mais bonito do que a cidade de Recife. E a que distância fica da universidade? – perguntou Miguel.
– Uns três, quatro quilômetros, mais ou menos – respondeu Pedro.
– É muito longe! Como se pode morar tão distante da universidade? Disseram que esta cidade era pequena, uma cidadezinha do interior.
– Vamos entrar para desfazer nossas malas. Depois eu mostro a cidadezinha do interior para você. Vamos chegar primeiro, disse Pedro, pegando as suas bagagens.
A cada momento, descobria novos motivos de surpresa e admiração. O que mais o deslumbrou, porém, foi a informação de que a casa ao lado era uma república de mulheres.
– Elas estão lá agora?
– Elas quem? – perguntou Pedro distraidamente enquanto abria o armário de aço preso na parede do quarto e observava cuidadosamente a limpeza da faxineira, passando o dedo em todos os móveis.
– As moças da república ao lado!
– Oh, amigo, vai devagar! Você se esqueceu de que as férias ainda não terminaram? As moças não são C DF como nós dois, que viemos para cá nas férias. A república ao lado só vai abrir na próxima semana, quando começam as aulas pra valer.
......
Miguel saiu da sala de aula mais cedo para passear pelo campus da universidade.
– Nunca vi nada igual. Parece uma fada daqueles livros de contos que a minha tia gostava de ler para mim quando eu era criança. É a mulher da minha vida. Pedro, quem é aquela moça que está sentada nas escadas do final do corredor?
– O nome dela é Luiza, nossa vizinha. Estuda Belas Artes.
......
Final de ano. Todos prontos para deixar a república. Menos Miguel, que havia pulado a janela da república ao lado. Estava tendo a última aula de anatomia no quarto da vizinha Luiza. A medicina cura o coração, mas é a arte que idealiza o prazer. E o amor, sem prazer, fica grande demais e torna-se inútil.

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