A memória é uma faca
afiada,
que corta a nossa alma,
penetra e mata como uma bala
perdida.
Cada segundo perdura
como a interminável eternidade
enclausurando silêncios,
prenúncios e palavras.
A memória é uma luz
fugaz,
que penetra como chama reluzente
nos olhos e nas lágrimas
dilacerando a visão e a ternura.
A memória é uma estrada
projetada,
que traça o destino
de quem vai pela manhã
e não volta ao entardecer.
na chapada
as estrelas brilham
como faróis
iluminando o infinito
e quando amanhece
o sol transforma
a neblina em delicadas lágrimas
que escorrem pelo caule
quebrado.
a minha alma
descansa à beira do córrego
que desce vagarosamente a serra
até encontrar o rio
que sonha com o mar.
ainda sinto o cheiro do capim gordura
e ouço o barulho da cachoeira.
as mangueiras do quintal
o lençol branco no varal
brinca com vento
e espalha as nuvens
A enxurrada no rio
Leva-me no sem fim
Da minha infância
O rio tem seu leito
E seu destino
E, eu mesmo distante,
Ainda penso, não na infância
Mas, no rio, que continua
Correndo em direção ao mar.
Na cabeceira da ponte
Os olhos da noite
Refletiam a lua cheia
E no espelho d’água
O meu corpo eram as pedras
Que não se cansam da solidão.
Debaixo da goiabeira
Defronte da casa velha
Eu, então, menino,
De mãos dadas com o tempo
Um na companhia do outro
No mormaço da tarde
Fazendo conta
inventando estórias
E tudo, em silêncio.
o pássaro trinca ferro
passa as tardes quentes
incomodando os vizinhos
desde muito cedo
já sabia que a vida
não cabia em mim
e a cidade em que nasci
também não me cabia
foi assim que me fiz poeta
para lidar com as palavras
e inventar o que nunca vivi
hoje, muitos anos depois,
sou quem não caibo na saudade
que sinto da minha cidade natal
